Entenda como a atual crise americana afeta o Brasil
Se a "segunda-feira negra", que abriu esta semana após a quebra do banco Lehman Brothers, pareceu um momento difícil para os investidores, ela ainda não é nada perto do que aconteceu nos Estados Unidos 79 anos antes. Em 24 de outubro de 1929, a "quinta-feira negra", a queda no valor da bolsa foi de um terço, e deu início a um longo período de dificuldades normalmente apontado como o princípio da Grande Depressão que assolou o país por toda a década seguinte.
"A queda da bolsa em 1929 foi apenas um sintoma do quanto a economia norte-americana estava com problemas. Por mais que o governo dissesse que as bases da economia estavam sólidas, a crise começou a mostrar o que estava por vir por toda a década seguinte, foi um sinal dos problemas econômicos que eram marcantes", explicou ao G1, o historiador Robert McElvaine, professor da Universidade Millsaps e autor do livro "A grande depressão".
Assim como em 2008, antes mesmo da data apontada como chave para a crise de 29, a economia já apresentava instabilidade. Enquanto atualmente o foco é nas hipotecas e no mercado imobiliário, na época o problema estava vinculado a uma forte especulação em um mercado sem nenhuma regulamentação, e um mercado consumidor reduzido por conta da recuperação européia após a Primeira Guerra Mundial.
"A sociedade norte-americana vivia um clima de euforia e de consumismo desenfreado, sem que o governo interviesse na economia mesmo com a redução do mercado global. Isso permitiu a especulação e, a partir dela, a crise financeira, uma crise econômica, de produção e de força de trabalho", disse o professor de extensão universitária COGEAE/PUC-SP Wagner Pinheiro Pereira, autor de "24 de outubro de 1929 - A queda da bolsa de Nova York".
Por mais que seja vista como o início dos enormes problemas que assolaram o país nos anos seguintes, os principais historiadores do período não apontam a quebra da bolsa como a principal causa da Depressão. Segundo eles, a política monetária do governo, que evitava intervir, foi a principal responsável. "Se o governo e o Banco Central americano tivessem liberado verbas de socorro em 1929, a Depressão poderia ter sido evitada", disse ao G1 Harold Bierman, professor de economia da Universidade Cornell.
"As bolsas caíram cerca de 40% em outubro de 1929, mas muitas ações recuperaram seu valor até o final daquele mesmo ano. Não era claro que a economia estava desabando naquela época, e muitas pessoas estavam otimistas", completou. Segundo ele, a quebra da bolsa não causou nenhum efeito direto na sociedade americana, por mais que o desespero dos investidores, que chegavam a se matar, seja uma das imagens mais marcantes deste momento da história.
"A Depressão, 24 meses depois, é que teve um enorme impacto na vida das pessoas, quebrando o sistema bancário e fazendo o desemprego disparar", disse Bierman.
O professor McElvaine concorda com a interpretação, e aponta efeitos mais duradouros na cultura norte-americana. "A Depressão do anos 30 teve efeitos devastadores para um terço da população norte-americana, que ficou desempregada. Ela teve efeitos sociais e psicológicos, pois as dificuldades fizeram as pessoas refletirem sobre seus méritos pessoais e o que os fazia merecer as dificuldades. Era uma sociedade muito individualista, mas que acabou se tornando mais solidária na dificuldade."
"Simplificando: a crise levou os acionistas a colocarem suas ações à venda; devido ao excesso de ações no mercado e à falta de compradores, o preço caiu vertiginosamente. Pessoas ficaram arruinadas. Sem recursos, empresas passaram a conceder férias ou demitir empregados e a economia entrou em depressão - milhares de trabalhadores perderam seus empregos, bancos e fábricas faliram. - efeitos se alastraram mundialmente", disse Pereira.
Por pior que a situação da economia tivesse se tornado nos meses após a crise de 1929, foi somente em 1933, após a eleição do democrata Franklin Delano Roosevelt, que o governo passou a atuar de forma intensa para tentar contornar a Depressão. Foi nesta época que surgiu o "New Deal", um pacote de reformas para tentar recuperar a economia do país.
"Grandes obras públicas geravam emprego e salário; os salários aumentavam o nível de compra e venda de bens e produtos no mercado; para evitar a inflação, que poderia surgir com o aumento do volume de dinheiro no mercado, o governo passou a controlar os preços; os empréstimos foram concedidos para que os fazendeiros, agricultores pudessem pagar suas dívidas e retomar o crescimento", explicou Pereira.
A recuperação total da economia norte-americana, entretanto, só aconteceria no final da década de 30, quando teve início a Segunda Guerra Mundial, responsável por reativar todo o processo industrial do país.
A queda de mais de 7% da Bolsa de Valores de São Paulo, uma das mais afetadas durante a "segunda-feira negra" deste ano, fez analistas dizerem preocupados com o efeito mundial que uma crise norte-americana desencadearia atualmente. A ligação entre todas as economias causada pela globalização alimenta a tensão de um problema maior de que em 1929.
Em 1929, entretanto, "as economias internacionais já eram ligadas, e ações de um país podiam ter influência em todo o mundo", disse o economista Harold Bierman. "Hoje fala-se em globalização, mas isso já existia na época da quebra da bolsa. A economia global de hoje é mais independente do mercado financeiro, entretanto, e pode passar pela crise sem entrar em uma nova Depressão", completou.
O Brasil, como um país agrário que dependia dos mercados externos, foi duramente atingido pelo "crash" e a depressão norte-americana há quase oito décadas. "Podemos dizer que foi esta crise internacional que levou à queda nos preços do café, alterando o cenário político do país e trazendo Getúlio Vargas à cena nacional", disse Pereira.
"A Revolução de 1930 derruba essa elite, mas Vargas, como Roosevelt, percebeu que o café se tratava de um problema fundamental, já que era a base da economia nacional e fonte de emprego para milhões de brasileiros, assumindo então uma nova política de defesa da cafeicultura, na tentativa de equilibrar os preços e evitar a superprodução. Para isso, proibiu novas plantações durante 3 anos e passou a comprar e destruir todo o café estocado. Cerca de 80 milhões de sacas de 60 quilogramas. Somente no final da década de 1930 o café começou a recuperar os bons preços nos mercados internacionais", completou.